O primeiro autor dos Boletins Bibliográficos é um dos grandes escritores da literatura portuguesa do início deste século e do final do passado, justamente, António Lobo Antunes. É um autor essencial, no sentido de que ele é único, raro, como um lobo (estranha coincidência, ou talvez não) que percorre caminhos vastos, tentando dar uma cor ao silêncio, à alegria, à solidão, à difícil forma de exprimir o amor, às sinuosas dimensões do afeto liquefeito em formalidades irónicas. António não escreve romances, não nos conta histórias, não imagina ficções.
António Lobo Antunes usa os pormenores do real, a sua cor, as suas figuras, as linhas do tempo para nos fazer descobrir o essencial, “da pedra de que somos feitos”, nessa ideia de iluminarmos a escuridão com a substância irreconhecível das palavras entre as sombras da noite e do mundo. António escreve para construir um caminho, para que como ele também nós o tentemos fazer. Caminho diverso a que não chegaremos plenamente, na ousadia de que as palavras saibam resistir ao fogo e ao tempo, emergindo como as colunas prateadas de uma divindade.
António é nesta sua forma de ser, um escritor, um lobo solitário, recolhido numa alcateia de solidões, onde em si e nos outros, algo possa emergir para obter essa dimensão, a da escrita, onde possa falar de todos nós. É essa a sua verdadeira dimensão, onde constrói em tempos diferentes todos os muitos que nós somos. Entre os romances dá-nos um conjunto imenso de crónicas, como se tivesse toda a urgência em que falemos com ele, em que nós próprios consigamos redigir outros tantos livros, de outros tantos leitores. E dessa solidão empenhada sobre o papel olha para nós e diz-nos o que precisamos de ouvir, o que não sabemos exprimir, as vontades ausentes de um tempo esquecido na “fininha melancolia” que tantas vezes nos abraça.
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