Sophia foi, é alguém que é uma fonte de inspiração
para nos fazer entrar num mundo, um reino muito especial. O reino de palavras,
de ideias tecidas na procura de uma claridade, de uma luz que antecedam as
sombras do mundo. As palavras como ferramenta para conhecer a claridade da
azul-respiração das coisas, entre o vento e o mar, na construção de um cosmos
que emerge do caos e nos dá o essencial da essência humana.
Sophia é uma das grandes figuras da literatura
portuguesa dos últimos cem anos. Sophia de Mello Breyner Andresen, que fez da
sua vida um encantamento por esse amor antigo e futuro de todas as ideias,
concedeu-nos as palavras da pura claridade, o dia inicial criado do caos para
nos harmonizar com o real. Sophia é um nome, uma paisagem, uma forma de olhar
que tem inspirado sucessivas gerações a descobrir no real, uma forma de
divindade por onde a sua palavra respira assombrada pela sua essência de
simplicidade. Deu-nos uma respiração de coral e nela vemos a tão difícil, mas
tão necessária, dimensão da autenticidade nos gestos e nas palavras.
As palavras são, em Sophia, não uma
descrição planeada ou imaginada do real, mas sim a descrição do olhar, o
concreto onde sobressai a nossa dimensão humana. Com a sua arte poética e
narrativa, temos uma escrita muito preocupada com os limites da existência
humana, de onde emerge em simplicidade um encontro com a Natureza e em especial
com o mar. Encontros de natureza diversa, de onde emergem os gregos e a sua
aventura pelo conhecimento da inteligibilidade do mundo, os seus mitos. Por
esse mar de casas brancas, onde o sonho, a descoberta de novos horizontes, o
puro descobrimento, na ideia grega (altheia) de dar ao real um significado
divino.
Sophia deu-nos uma obra literária marcada pela
poesia, pelos contos, onde fez nascer um imaginário de conhecimento das
imagens que nos levam ao real, à procura de uma essência do humano.
Da sua obra, destacam-se a poesia, como forma
primeira de uma expressão da palavra, na respiração do mundo, e os contos, em
que muito do seu imaginário foi levado a crianças mais jovens. Na poesia,
publicou diversos títulos, como, No tempo dividido, Coral, Navegações, Ilhas, O
nome das coisas, onde o deslumbramento pela palavra, a extrema
sensibilidade e clareza tentam encontrar campos e horizontes de felicidade,
numa procura de uma dimensão humana que se pretende afirmar acima de qualquer
tempo.
A luz que ela nos deu é clara e transparente como
as manhãs nascidas de um tempo novo, não numa dimensão política, da usura de
títulos, mas a de uma nobreza feita da que procura dialogar consigo própria, a
da manhã branca, onde a claridade emerge de um dia alvo, desenhado e vivido de
possibilidades que o real nos concede. As suas palavras deram-nos uma
estética do maravilhoso, de quem se espanta pelo assombro do mundo, pela sua
beleza e injustiça, num compromisso autêntico, livre e sublime, com a respiração
que nos pode fazer herdeiros da maior inteireza possível.
Sophia, viveu ela própria o sonho, aspirou por
ele, lutou por ele, sonhou com esse dia novo, com essa construção substantiva
do tempo, das ideias nobres, simples, da reconquista apenas por si, pelo
movimento, pela graça, retirando as máscaras e desbravando no caos, a pureza
inicial do homem. Sonhou com esse movimento de levitação, o sonho que uma
“revolução” permitiria. Não a de ideias passadas, de caminhos de glória,
mas a escrita no coração, a partir da página em branco, onde cada respiração e
olhar vê o dia e o mar em absoluto maravilhamento.
Conduziu-nos pela maresia, falou-nos dessa
primeira liberdade, correu com o vento para que nós também sentíssemos a
questão inicial, o sopro vivo da palavra comprometida. Infelizmente, nós não a
compreendemos e temos muitos exemplos desta destruição pelo valor da palavra,
onde a construção de uma comunidade se vê isolada da sua substância mais vital.
Resta-nos com ela absorver o seu maior legado. O coração e as palavras que são
sempre novas todos os dias, pois elas procuram construir um equilíbrio.
Um equilíbrio que se sobreponha aos labirintos e
ao caos, desvendando as sombras que no real nos afastam da essência. Palavras,
como instrumentos para podermos abordar os dias, reconquistando um real a esse
caos, tantas vezes usado e criado por desleixo e falta de vontade humana.
Sophia abriu as palavras e com elas a realidade a nós, abrindo o Pórtico que
ilumina cada homem que recebe esse bem sagrado que é a vida. As suas palavras
são uma permanente iluminação, por onde se busca a mais perfeita claridade. Sophia
criou um reino, uma linguagem que se exprime na sua Poesia, como uma forma de
tornar possível, de fazer nascer um real onde se fragmentam os nossos passos de
sol.
(1) - Andresen, S. de M. B. ( ....) No tempo dividido. Alfragide: Caminho.
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