Os espaços de convívio eram um dos sinais
do Porto e de muitas cidades há alguns anos. Conversava-se, discutia-se e
encontravam-se pessoas muito diversas. Existia um certo sentido de comunidade.
Hoje as comunidades são virtuais o que significa que não são comunidades,
pois as coisas, os seus nomes, as suas referências perdem-se ou ausentam-se se
um sinal respirado, vivido. Nesse tempo o Porto tinha alguns espaços
marcantes. O café Magestic ou o Guarani era
um deles e não raras vezes descendo os espaços da cidade era possível encontrar
figuras das letras e das artes.
As Artes e as Letras era
uma revista que juntava admiradores e criadores de conteúdos culturais
que divulgava algumas dessas ideias e produções artísticas. às vezes um
artista plástico dava corpo a um texto, a uma homenagem. No distante 2013
dedicou-se um desses números a Eugénio de Andrade.. H. Mourato deu forma a essa
plasticidade das suas palavras. Estas palavras a Eugénio de Andrade são a
celebração da sua poesia, mas também a memória do que foram cafés e tertúlias,
onde tantas ideias , onde tantas ideias se
ajuntaram para qualquer coisa mais belo. Algumas dessas palavras:
"Com
aquele semblante austero, aquele olhar levantado e distante quando era visto
(ou quando se via) passar; com aquela solitária presença, protegido de silêncio
ou mergulhado profundamente, com todos os sentidos, numa leitura absorvente,
quem ousava romper uma tal serenidade ou quebrar essa muralha com que procurava
proteger-se? E, no entatnto, bastava uma saudação amável ou até um sorriso
apenas para "abrir a porta". (...)
O
halo da sua presença atraía e, com aquela sua voz inconfundivelmente amável e
sedutora, quem quer que o ouvisse não podia deixar de ficar preso à sua
musicalidade nem à sabedoria adivinhada em cada palavra ouvida. Mesmo não o
conhecendo, pela sua voz, pela figura, era "alguém" invulgar. E era.
Era o Poeta: o arquitecto exímio da palavra, com a qual era capaz de
edificar palácios que resistirão ao tempo, ao mundo, aos homens, mesmo que
os que por deficiência genética ou por ambição se tornam demolidores.
Quem
o conheceu e lhe é leal não pode deixar de lembrá-lo como homem bom e cortês,
afável, delicado, carinhoso, fiel, sem outra ambição que não fosse encontrar
"uma sílaba, uma sílaba só...uma vogal, uma consoante, quase nada" e
dar à sua vida a dimensão que pudesse ser pesada "num prato de
balança" com um verso seu. Não sei de destino mais glorioso. Passou a
vida toda a transformar a luz em canto.
Que
singularidade a vida e a existência deste ser comum que amou um lódão como uma
criança, que louvou a heroicidade de Chico Mendes ou a memória de Ruy Belo por
palavras que mais ninguém saberia harmonizar! (...) Quem te lê, sente que
enlevas e elevas para onde só a poesia como a tua é capaz de transportar.
Felizes aqueles que podem guardar no coração e em qualquer momento um verso
teu.Isso fá-los-á estar sempre mais próximo do sol".
Imagem, a partir de uma escultura do mestre de artes plásticas, H.
Mourato
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