sexta-feira, 3 de novembro de 2023

O autor do mês - novembro

 José Saramago tornou-se num nome universal da literatura e depois que partiu deste mundo, sem dúvida que as suas palavras, a sua geografia interior tornou-se uma paisagem. O Prémio Nobel deu-lhe mais repercussão, naquilo que como homem quis dizer sobre o mundo. A literatura portuguesa cresceu muito com esse prémio e essa também é uma das consequências do seu reconhecimento pelas palavras e por uma consciência crítica que quis partilhar com quem o leu e ouviu.

A sua obra é no essencial a sua assinatura obre o que foi, o que procurou ser e o que nos tentou mostrar como sendo o seu olhar. E nessa obra cativante e ou polémica encontramos as palavras, ferramentas que José Saramago procurou usar ao serviço de uma escrita que se possa encontrar com o que somos como humanidade, o que  nos limita, que sonhos temos e que fundo nos modela.

Acima das palavras, das emoções, do desenho ético e ideológico das ações, de que substância somos feitos? A sua obra evoluiu entre o edifício das palavras e a arquitetura do cinzel que busca a essência interior do homem. A sua escrita foi definida em características muito próprias, diversas vezes narrando como se o discurso fosse do nível oral e propusesse uma longa conversa. E denunciou uma crescente falta de humanidade de um mercantilismo destrutivo, cujos contornos se agravaram.

Vale a pena recordá-lo nas suas próprias palavras, neste mês que será destacado de modo especial a sua obra e a sua voz.

"(...) amarga-me a boca a certeza de que umas quantas coisas sensatas que tenha dito durante a vida não terão, no fim de contas, nenhuma importância. E porque haveriam de tê-la? Que significado terá o zumbido das abelhas no interior da colmeia? Serve-lhes para se comunicarem umas com as Outras? Ou é um simples efeito da natureza, a mera consequência de estar vivo, sem prévia consciência nem intenção, como uma macieira dá maçãs sem ter que se preocupar-se se alguém virá ou não comê-las?

E nós? Falamos pela mesma razão que transpiramos? Apenas porque sim? O suor evapora-se, lava-se, desaparece, mais tarde ou mais cedo chegará às nuvens. E as palavras? Aonde vão? Quantas permanecem? Por quanto tempo? E, finalmente, para quê? São perguntas ociosas, bem o sei, próprias de quem cumpre 86 anos. 

Ou talvez não tão ociosas assim se penso que meu avô Jerónimo, nas suas últimas horas, se foi despedir das árvores que havia plantado, abraçando-as e chorando porque sabia que não voltaria a vê-las. A lição é boa. Abraço-me, pois, às palavras que escrevi, desejo-lhes longa vida e recomeço a escrita no ponto em que tinha parado. Não há outra resposta."


Sem comentários:

Enviar um comentário