terça-feira, 30 de janeiro de 2024

Memória da Shoah

 

O vento toca a lira,
Ele toca tão suave no verde pântano,
O rouxinol canta sua canção.
Wiegala, wiegala, weier
O vento toca a lira.

Wiegala, wiegala, werne,
A lua é a lanterna,
Imóvel no céu escuro
E olha para o mundo.
iegala, wiegala, werne,
A lua é a lanterna.

Wiegala, wiegala, wille,
Por que o mundo está tão quieto?
A doce quietude não é perturbada por nenhum som,
Durma meu filho, durma você também.
Wiegala, wiegala, wille,
Por que o mundo está tão quieto?”

Ilse Weber, “Wiegala”

sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

Escritas de cinema

 O rapaz do pijama às riscas


FICHA TÉCNICA

Título original: The Boy in the Striped Pyjamas
Direção: Mark Herman
Roteiro: Mark Herman
Elenco: Asa Butterfield, David Thewlis, Rupert Friend, Vera Farmiga
Duração: 99 min
DE 2008 • DRAMA, GUERRA • 94 minutos • M/12 • US
Realização: Mark Herman

terça-feira, 23 de janeiro de 2024

Livros do mês - janeiro - IV

"Estou sentada em cima da minha mochila, no centro de um vagão cheio, e preciso de te ajudar, meu Deus. (...)

Estou sentada em cima da minha mochila, o vagão trepida, as crianças dormem e os velhos velam,  e eu vou no transporte e penso que tenho de te ajudar, meu Deus. Tu não tens forças para nos socorrer, por isso eu preciso de vir em teu socorro. Porque tu estás reduzido a tão pouco, e não podes valer a todos, então eu preciso de te dar as minhas forças. Precisas de ajuda, meu Deus, porque estás ferido e exangue. Precisas que eu trate de ti, que te vele, que te dê um pouco do calor que guardo em mim, dentro das camisolas de lã. Que eu guarde este calor por ti, dentro de mim.

 Eu queria ser o coração pensante dos barracões, meu Deus, porque todos os outros estavam tão ocupados, sempre mais atarefados do que eu. Porque os outros tinham filhos pequenos e os pais a morrerem, e estavam terrivelmente assustados. Mas eu não tinha medo, podia pensar por eles. Podia levar os pensamentos deles até ti, meu Deus, como um correio que não abrisse as cartas para as censurar. Queria ser o coração pensante, quando os outros não tinham tempo para pensar, à procura de comida, agasalho e notícias. E queria ajudar-te a pensar com eles, pensar os pensamentos deles.

 Eu ajoelhava em frente ao urzal, meu Deus, o urzal atrás do arame farpado. E tu estavas ali, pobre, atrás do arame farpado. Os raios de sol nas urzes, na água gelada, atrás do arame farpado.

Deixa-me agora ser o coração do vagão, meu Deus. 

Estão demasiado cansados, mal conseguem falar. Mas se eu levar o meu pensamento pela noite fora, toda a viagem de comboio, até ao fim, é como se guardasse um pouco de calor, intacto, por nós todos. Deixa-me guardar o resto do pensamento. Mesmo  a tremer, mesmo a cair de cansaço ainda hei-de conseguir um pouco de força para te amparar. (...)

 Eu aceito tudo , meu Deus. Continuo a ajoelhar, e ajoelharei no vagão e no campo, como ajoelhei em frente ao urzal. Se eu não te ajudar, meu Deus, quem te levará até à morada da morte?

Espreito pela frincha, o ar entra, tudo está morto. Montanhas e florestas. 

Tenho tudo dentro de mim, mesmo quando é tão difícil.

 Partimos de Westerbork há dois dias. Como se a viagem durasse anos de vida. Pode-se envelhecer vidas inteiras num vagão, durante uma noite. Todos nós, mesmo as crianças, somos agora muito velhos. Com mais velhice do que cabe numa vida. Amanhã chegaremos ao campos, e ninguém sabe o que acontecerá. Correm rumores horríveis. mas seja o que for que nos espera, meu Deus, eu aceito. Mesmo na morada da morte te ajudarei.

 Olho pela frincha. Lá em cima, a Ursa Maior, clara, nítida, e fria. Que nos acompanha desde a partida. Por que é que as estrelas andam quando eu ando, perguntou-me uma criança em Westerbork, e param quando eu paro?

Uma pequena força dentro de mim. 

 As estrelas brilham sobre a neve. Uma claridade branca começa atrás dos montes, o dia nasce do lado para onde o transporte avança. Vejo um caminho, uma casa. Um regato gelado. Luzes ao longe, uma cidade. Uma placa a indicar a direcção. 


Consigo ler a placa: "Leipzig". 
E a neve recomeça a cair. 
Uma pequena força, meu Deus, dentro de mim."

 Pedro Eiras. (2014). "Etty Hillesum", in Bach. Porto: Assírio& Alvim

sexta-feira, 19 de janeiro de 2024

Leituras...

 


A vida e a sua vivência não é muitas vezes uma linha contínua feita de momentos apenas felizes. A incerteza e a mudança tornaram-se frequentes nestes tempos.

Irmão Lobo é sobre isso, é sobre a fragilidade de algo que foi desconstruído numa família.
O livro fala a dois tempos, ora contada por Bolota, na verdade Princesa Bolota das Florestas do Norte, herdeira do Clã do Pássaro Trovão, onde a memória está um pouco esbatida, ou por uma adolescente que guarda uma imagem mais viva dela. As cores dâo-nos essa identificação, essa linha entre passado e presente. Imaginação e depuração das escolhas faz essa viagem.
"Da nossa casa perdida guardávamos memórias, objetos e fotografias. E uma lata de bolachas com folhas e sementes, onde íamos buscar o cheiro das árvores e da terra molhada, quando as saudades nos sufocavam.
- As melhores coisas da vida são de graça - dizia ele.
- Por exemplo? perguntávamos, eu e os meus irmãos.
- Por exemplo, aprender o nome das árvores. E das nuvens. E das constelações.
- E que mais?
• andar descalço em casa;
• enterrar os pés na areia;
• ouvir a chuva a cair;
• acariciar o musgo com o orvalho;
• olhar para a Lua;
• procurar a concha perfeita;
• rolar um seixo na palma da mão;"
Almeida, Carla Maia. (2013). Irmão Lobo. Carcavelos: Planeta Tangerina.


quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

Livros do mês - janeiro - III

"Recomeça…
Se puderes, 
Sem angústia e sem pressa.  
E os passos que deres,  
Nesse caminho duro 
Do futuro, 
Dá-os em liberdade.  
Enquanto não alcances 
Não descanses. 
De nenhum fruto queiras só metade. 
E, nunca saciado,  
Vai colhendo 
Ilusões sucessivas no pomar
E vendo
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.

Miguel Torga, Diário XIII.

segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

O autor do mês - janeiro II


De seu nome Adolfo Correia da Rocha, com a profissão de médico, é um dos mais importantes escritores do século XX. Escreveu sob o pseudónimo de Miguel Torga. Miguel, em homenagem a duas figuras da cultura universal, Cervantes e Unamuno. Torga, em homenagem à sua natureza transmontana. Natural de Sabrosa, distrito de Vila Real, construiu uma obra vasta, variada que abarcou, a poesia, o romance, o conto e as memórias.

 Fundou várias revistas literárias e publicou, desde 1928, uma extensa obra, podendo-se destacar Os Bichos, Novos Contos da Montanha, A Poesia e Os Diários. Recebeu diferentes prémios entre 1969 e 1981 (Diário de Notícias, Poesia de Bruxelas, Prémio Montaigne). A sua escrita apresenta o encanto silvestre e a originalidade humana desse reino único, muito especial, a que ele deu o nome de maravilhoso. A sua obra e a sua figura são a morada desse tempo quase eterno onde a montanha faz nascer a liberdade e a beleza. É um autor que nos recorda o valor da paisagem e de como ela é uma construção humana. 

Torga é um exemplo da importância de um território e de uma memória como suportes de uma cidadania formalizada nos valores culturais de uma comunidade. As palavras de Torga são um combate pela liberdade, naquilo que ela tem de valor moral, de consistência civilizacional. Lutou pela liberdade, pela possibilidade de construir uma sociedade mais livre e tolerante. Sentiu essa prisão num País que não evoluiu, que não se permite a si mesmo ser livre e autêntico. 

Torga foi o recriador literário desses espaços de liberdade e beleza perenes que são os montes ouvidos pelo vento, ou os rios onde correm as transparências telúricas dos seixos e de uma vida selvagem quase pura. O reino do maravilhoso, o silêncio criado nas fragas, onde o som mais encantado das cotovias chega dos castanheiros milenares, onde tudo se apresenta frontal e belo. O reino encantado das flores silvestres, onde torgas luxuriantes lutam entre as pedras nessa resistência de sonho, por onde corre o vento e o silêncio.

A biografia de Torga é construída das muitas escolhas que fez na vida, perante esse testemunho vivo da terra e do maravilhoso que ele descobriu nela. Os seus poemas são o grito dessa liberdade e a angústia de uma vida que se queria livre, grande e incomensurável como o tempo. A sua passagem pelo Brasil deu-lhe a conhecer essa extensão informal de Portugal e permitiu-lhe realizar os seus estudos. Chega a Coimbra, em 1928, para estudar Medicina, iniciando nesse ano a publicação dos primeiros poemas. 

Em 1929, encontramo-lo a trabalhar na Revista Presença, onde fica pouco tempo, pois a sua voz era uma voz de liberdade, de compromisso com a dureza da vida e com a beleza que encontrava nos testemunhos da memória. Em 1933, escolhe exercer Medicina em Trás-os-Montes. Passou a dedicar-se à dupla missão de ser médico e de ser escritor. Foi preso, durante o regime político do Estado Novo. Nunca optou pelo caminho do exílio, ficando porque se considerava a voz de uma identidade, da Terra, de uma identidade cultural, de um património de pertença. Escreveu sobre o seu País esquecido, Portugal, sobre a suas tradições e particularidades. Imaginou a criação de um mundo telúrico e foi um poeta de grande alcance humanista. Torga é um exemplo de uma figura de grande valor cultural e humanista, e o facto de ter sido obliterado à vida de uma comunidade evidencia um País afastado de si próprio. Torga sentiu tudo isto.

 Torga criou na Literatura um reino maravilhoso, porque o descobriu, porque o soube ver nas fragas de xisto que se debruçam das arribas do Douro, nas plantas rasteiras que no cimo das serras resistem a todas as intempéries. Estas paisagens inspiraram-no na sua escrita. Torga foi essa montanha que não se move, que não cede às pequenas intrigas e vaidades, e que se afirma na beleza da palavra sempre pronta para fazer da liberdade a maior bravura. 

Torga morreu há vinte anos, despedindo-se de um País que reconheceu o valor da sua literatura, mas não lhe deu uma oportunidade de participar na sua construção. Torga sentiu esse desprezo de um País político pela mais elementar verdade, pela beleza das coisas simples, por esse território de gente sofrida, pobre e sem oportunidades, que lutava no cimo das encostas por uma vida mínima de possibilidades. 

A solidão deste escritor foi também uma forma de encontrar a revelação desse real tão belo, dessa força natural imensa. Torga era uma forma de consciência, um património humano, que assume atualmente um maior significado do que quando se despediu de nós. Torga sentiria, hoje, uma imensa tristeza pelas “praias tristes”, abandonadas da vontade, em que se tornou este país.

sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

Leituras...


"o escuro às vezes não é falta de luz
mas a presença de um sonho (...)
a beleza às vezes é um lugar
onde o olhar já sabe aquilo que não quer esquecer...
O silêncio é uma esteira onde nos podemos deitar.
Esteira de poeira cósmica, se eu olhar de novo o céu escuro. Esse azul do céu me lembra o chão do mar. Um mar, afinal, é só um deserto molhado, em vez de homens e camelos, tem peixes e canoas a passear nele. O deserto é parecido com o mar, o mar é parecido com o universo cheio de estrelas pirilampas.
O deserto podia caber no peito do mar, o mar podia caber no corpo do universo, o universo só pode caber no coração das pessoas. A mão dela estava perto da minha. Senti uma comichão de ausência na proximidade daquele calor, sabia que os dedos dela estavam ali, e continuava a falar para não saber, no coração, que todo o meu corpo pedia uma carícia calada.
– Achas que pode caber o quê, no coração das pessoas?
– Muitas coisas. Um poema, uma recordação, um cheiro de infância, um «desejo de estrelas»…
– Como é um «desejo de estrelas»?
– É olhar para uma estrela e desejar uma coisa.
Num susto quase pouco, ela fez-me uma festinha lenta na mão. Ternura e gesto de amansamento.
– Vou-te contar um segredo – ela começou.
– Ainda conta – perdi o pirilampo de vista.
– Dizem que quando um silêncio chega e fica entre duas pessoas…
– Sim?
– É porque passou um anjo e lhes roubou a voz.
– Tu acreditas em anjos?
– Tu não acreditas em silêncios?
Fosse de esquecimento ou não, a mão dela tinha ficado ancorada na minha, concha e búzio nesse silêncio inventado pelos anjos".

Ondjaki. (2013). Uma escuridão bonita. Lx: Caminho.
(um livro como um sonho de estrelas).

sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

Escritas de cinema

 Mentes Perigosas - Guião de trabalho

FICHA TÉCNICA

Mentes Perigosas (Dangerous Mind, Estados Unidos)
Direção: John N. Smith
Roteiro: Ronald Bass 
Elenco: Bruklin Harris, Courtney B. Vance, George Dzundza, Michelle Pfeiffer, Robin Barlet,…
Duração: 99 min
DE 1995 • DRAMA THRILLER • 97M • M/12 • US
Realização: John N. Smith