quinta-feira, 30 de novembro de 2023

Fernando Pessoa - a multiplicidade do eu


 "Ainda assim, sou alguém. /Sou o Descobridor da Natureza (...)
Trago ao Universo um novo Universo / Porque trago ao Universo ele-próprio."

(Alberto Caeiro, "XLVI", Poesias - Heterónimos )

O apelido de Pessoa remete-nos para o teatro grego, as máscaras com que cada um pode enfrentar as dificuldades, os perigos, os desastres que envolvem a sociedade humana e que persistem acima de nós. Pessoa transporta-nos para essa noção de diversidade, de multiplicidade do individual. Ele é uma figura marcante da cultura europeia e mundial. Representa a procura de, num mundo coletivo, exprimir a voz do indivíduo, do seu olhar e das suas possibilidades.

 Fernando Pessoa foi influenciado por um conjunto de circunstâncias, as suas, as do seu tempo, que criaram nele um ambiente histórico onde já se determinavam as dificuldades do Portugal Contemporâneo. A saber, O "ultimatum inglês", a decadência da monarquia, as dificuldades de afirmação da República, a instabilidade política e social e os acontecimentos trágicos à volta de Sidónio Pais. A confirmação de um regime onde a dignidade do ser não existia assegurou-lhe um Portugal cinzento, sem visão, nem futuro. 

Fernando Pessoa soube criar uma poética que respondia à multiplicidade individual, oferecendo-nos a dimensão moderna, universal, do homem como medida de realização de um todo. Afinal o que pode ser a vida? Neste caminho em contínua aprendizagem, que dimensão nos pode transportar para uma felicidade mais próxima da respiração de cada um? Um trajeto baseado em sensações, nas perceções que por nos dão a materialidade do mundo, como em Alberto Caeiro, ou o modernismo tecnológico do mundo de Álvaro Campos, ou os constantes valores culturais da memória de Ricardo Reis? 

Afinal não são os heterónimos diferentes possibilidades de olhar para a afirmação do género humano nessa aventura que é viver? Em todo este complexo modo de ser, Pessoa afirmou-nos que é pela força das ideias que o País poderá ter a sua única possibilidade de se afirmar no mundo desenvolvido. A Mensagem, relato de feitos do passado, transporta-nos para essa ideia de um Quinto Império em que Portugal, para ser autónomo, diferente, melhor, terá de ser autêntico em si capaz de  assumir a sua verdadeira dimensão. 

Fernando Pessoa afirmou-se se modernista pela sua tentativa de transformar o futuro do País pelas ideias, pela arte, pela cultura, no sentido de cada indivíduo poder participar na construção de uma comunidade. Quantos governaram este País, inclusive no presente, se esqueceram deste simples princípio? Pessoa é um criador universal, pois ele soube pensar as diversas possibilidades do indivíduo, a sua multiplicidade, onde se encontram inscritos, os valores humanos. Afinal aquilo que poderemos ser em cada dia, num modo de re (construção) do presente quotidiano é uma das suas grandes ideias. 

Partindo de uma experiência individual, as suas palavras reforçam a nossa humanidade, como valor universal. O real apresenta-se a cada um, mas esses movimentos, nessa da espuma dos dias existe um  movimento mais profundo. Saber compreender esse movimento é antecipar a evolução da vida, é enquadrar formas mais dignas de sociedade, no modo em que Almada Negreiros e os modernistas o apresentaram. 

Tal como toda a Arte o exprime a vida feita apenas de existir é pouco. A imaginação e o delírio das possibilidades encontradas sobre o real é uma outra forma de encontrar uma dimensão mais consciente da vida. A genialidade de Fernando Pessoa é essa. A de revelar a necessidade de quebrar a incerteza que reina nestas praias em sucessivas gerações. Mariano Deida afirmou, que o poeta de autopsicografia inventou a própria literatura, não por ter inventado novas palavras, mas por nos revelar novas dimensões humanas. 

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