sexta-feira, 27 de outubro de 2023

Encontro na Biblioteca

 No âmbito da disciplina de Inglês, os alunos da ESJS estiveram na Biblioteca da escola para ler e dramatizar textos de autor ou da sua autoria.

No final, ocorreu um mini-debate sobre a importância da leitura na intervenção dos jovens no mundo, enquanto cidadãos.
Participaram as turmas: 10 CT4, 10 CT5, 10 LH1 e 11LH2". 
 

Criatividade e Aprendizagem

 


Ken Robinson foi uma figura inspiradora para a mudança significativa que a educação necessita, enquanto sistema formativo em si, mas também como elemento de possível felicidade para as pessoas e de transformação com significado com a sociedade. As suas apresentações em diversas plataformas evidenciaram um conjunto de mudanças que precisamos pensar. Algumas das suas palavras e um dos vídeos sobre uma das suas estimulantes ideias.

"Estamos a educar crianças e jovens desprovidas de criatividade. Que ferramentas usarão no futuro? É essencial repensar os princípios sobre os quais assentam os sistemas educativos!

Sou de opinião que a criatividade é hoje tão importante na educação quanto a alfabetização e que deveríamos tratá-la com a mesma importância. As crianças assumem riscos e perante o que lhes é colocado respondem. Elas não têm medo de errar. O que sabemos é que, quem não está preparado para errar, nunca poderá ter uma ideia original. E quando se tornam adultas, a maioria já perdeu essa capacidade. E adquirem o medo, pavor de errar. 

A sociedade, as empresas estigmatizam os erros. No momento vivemos em sistemas educativos nacionais em que os erros são a pior coisa que se pode fazer. E o resultado é que estamos produzindo indivíduos desprovidos de criatividade. E acredito que se não crescemos com ou rumo à criatividade, vamos para longe dela. Ou melhor somos ensinados a abandoná-la. (...)

Temos de repensar os princípios fundamentais nos quais baseamos a educação. Há que celebrar o dom da imaginação humana. Temos de ter cuidado para usar esse dom com sabedoria, e assim ultrapassar o estado em que estamos. E a única forma de fazermos isso é encarar as nossas capacidades criativas como a riqueza que representam e, encarar as nossas crianças e jovens como a esperança que representam. E a nossa tarefa é educá-las em todo o seu ser, para que elas possam enfrentar esse futuro. E o nosso trabalho é ajudá-las a tirar algo de bom dele. (Ken Robinson)

Duas das suas apresentações (Ken Robinson, Do Schools kill creativity / Bring on the learning revolution.


terça-feira, 24 de outubro de 2023

Boletim Bibliográfico

                                                                                     Valter Hugo Mãe

(Acessível como pdf no link acima e no QR-Code)

Os livros do mês - outubro - IV


Louise Glück foi prémio Nobel da Literatura em 2020 e deixou-nos fisicamente nos primeiros dias de outubro. Deu pela poesia uma voz à existência humana falando-nos da efemeridade no interior de uma universalidade que é a experiência humana e essa relação com o Natural, nessa dimensão de magia e de mistério. Há na sua poesia o encanto pelo natural, mas também pelas suas referências familiares, pela dor que está na vida, mas também os temas da da consciência, da infância, dos mitos e dos motivos clássicos. Deixamos um dos seus poemas, de Íris Selvagem

"Vá, diz o que pensas. O jardim
não é o mundo real. O mundo real
são as máquinas. Diz abertamente o que qualquer tonto
pode ler no teu rosto: que faz sentido
evitar-nos, resistir
à nostalgia. Não é
muito moderno o som que o vento faz
ao agitar um campo de margaridas:
a mente não consegue brilhar ao segui-lo.
E a mente deseja brilhar, simplesmente,
como brilham as máquinas, não
crescer até ao fundo como, por exemplo, as raízes. Ainda assim,
é muito comovente ver como te aproximas com cuidado
da orla do prado, de manhãzinha,
quando ninguém te vê. (...)
Ninguém quer ouvir
as impressões do mundo natural."

Glück, L. (2020). A Íris Selvagem. Lisboa: Relógio D´Água.

segunda-feira, 23 de outubro de 2023

Boletim Bibliográfico

 António Lobo Antunes

Acessível como pdf no link acima e no QR-Code)

 

Festival literário de Mafra

A Câmara Municipal de Mafra através dos serviços culturais da Biblioteca Municipal promove um festival literário a decorrer entre 30 de outubro e cinco de novembro. Destacam-se as seguintes iniciativas:
  • um de novembro: inauguração com Sampaio da Nóvoa;
  • dois a cinco de novembro - Feira do Livro;
  • dois de novembro: Encontros com autores: "História e Ficção": Isabel Stilwell, Alberto Santos e Paulo Moreiras ;
  • dois de novembro: "A guerra na literatura", com Sérgio Luís de Carvalho e Ana Margarida de Carvalho;
  • três de 3 novembro – "Língua portuguesa: uma casa comum", com Dulce Costa Pereira, José Luis Tavares e Germano Almeida;
  • três de novembro: "António Gedeão, professor e poeta", com Cristina Carvalho, André Gago, Carlos Fiolhais;
  • quatro de novembro: encontro com autores, "Ler para quê?" (Ana Cristina Silva, Álvaro Laborinho Lúcio e Eduardo Sá) e Encontro com escritores, "Escrevo para fazer acontecer" (José Fanha, Ondjaki e Alice Vieira);
  • cinco de novembro - Ilustração, com André Letria, Jorge Silva e Catarina Sobral;
  • cinco de novembro: "Mafra: Horror e Maravilha", com Hélia Correia;
Deixa-se o link com acesso nas diferentes iniciativas com o formulário para a necessária inscrição. 


sexta-feira, 20 de outubro de 2023

Livros do mês - outubro III



A Desumanização de Valter Hugo Mãe é um livro de assombro que assume na escrita um continente poético de uma ilha muito especial, a Islândia. Estamos aqui perante um livro alucinante de tristeza, de solidão, mas sempre a apostar na ternura, na reinvenção do coração. É um livro que tenta também ser uma obra plástica sobre a vida, a morte e os fantasmas que nos habitam. Um livro imenso, fascinante pela forma como nos interroga. A Desumanização é um livro difícil, de uma beleza tocante e que é uma declaração de amor à Islândia, ao homem e à natureza como fonte contínua de redescoberta.                                            

A Islândia é uma paisagem entre a desolação, a solidão nos elementos e um sentido onírico, pelas viagens que nos permite fazer, a nós, emersos num natural imenso, do tamanho da fundação do mundo. Viver na Islândia implica fazer um diálogo com esse natural. Implica fazer das forças naturais, dos elementos, dos vulcões, das montanhas de gelo formas de pensamento e ver em tudo isso formas silenciosas dos deuses. A cada instante os elementos naturais revelam-nos que há forças vitais a suportar esse momento que parece tão próximo da fundação do dia em que Deus acordou para o mundo. Só um homem capaz de entender essa vitalidade e de a reconstruir no seu quotidiano, nas suas lendas, no sentido épico poderá viver num espaço desses.

É neste enquadramento que Valter Hugo Mãe compõe uma história, onde ao lado dos elementos naturais, feitos de uma dimensão agreste nos conta uma história de amor, uma narrativa de perda e uma reconciliação com a vida. Juntando referências da mitologia nórdica, a elementos da literatura de natureza épica (Jóhann Sveinsson Kjarval) ou à música dos hinos religiosos (Hallgrímur Pétursson), ou a referências literárias muito significativas (Thor Vilhjálmsson), A Desumanização é uma obra literária plena de natureza e de poesia.

A Desumanização é um relato comovente sobre uma criança à deriva, sobre uma aldeia perdida num fiorde, mas é sobretudo a construção de uma viagem entre esses elementos naturais, os homens e Deus. Desse Deus não organizado em sentidos oficiais, mas aquele que se revela no natural, que se revela nas coisas, aquele que nos mostra que o homem é um ser à espera de um fim, pois "tudo na vida tem a ver com a morte". A conciliação final é uma redenção feliz para um conjunto de personagens à deriva num continente de gelo e desolação. A Desumanização é um livro imenso e não será exagerado dizer-se que é uma obra-prima da literatura.

Mãe, V. H. (2013). A Desumanização. Porto: Porto Editora.

quarta-feira, 18 de outubro de 2023

Livros do mês - outubro II


O que pode acontecer quando um livro se encontra inesperadamente no seu quotidiano com alguém e se essa pessoa for a Rainha, o que poderá ocorrer?

"Num passeio com os seus cães, a Rainha descobre uma carrinha de livros de uma biblioteca itinerante. Pode esse encontro mudar algo do seu quotidiano?
"A Rainha nunca se interessara muito pela leitura. Lia, é claro, como toda a gente, mas gostar de livros era algo que deixava aos outros. Era um passatempo e fazia parte da natureza do seu cargo não ter passatempos. A sua função era mostrar interesse por, não deixar que ela própria se interessasse. Além disso, ler não era fazer. Ela era alguém que faz. (...)

Passados algumas semanas a Rainha sentiu-se perturbada e a pensar porque é que, neste momento particular da sua vida, sentira subitamente atração pelos livros. Donde surgira esse interesse?
Sim, poucas pessoas tinham visto mais mundo do que ela. Estando ela própria na tribuna do mundo, porque se entusiasmava agora com livros que, por muito que pudessem ser, não passavam de um reflexo ou versão do mundo? Livros? Ela vira a realidade. (...)

O apelo da leitura, pensou, vinha da sua indiferença: havia na literatura algo de nobre. Os livros não se importavam com quem os lia, nem se os líamos ou não. Todos os leitores eram iguais, incluindo ela própria. Porém, dúvidas e interrogações eram só o princípio. Uma vez no ritmo normal, deixou de lhe parecer estranho o facto de querer ler, e os livros, aos quais se afeiçoara tão cautelosamente, passaram pouco a pouco a ser o seu elemento. (...)

No seu encontro com Sir Kevin, ele adiantou:
- Se conseguíssemos aproveitar a vossa leitura para um objetivo maior: por exemplo, a melhoria dos critérios de leitura entre os jovens...
- Lemos por prazer - disse a Rainha.
A leitura fez-lhe pensar na escrita, nos que escreviam. E descobriu que depois de escrever alguma coisa, mesmo que fosse só uma nota no caderno, ficava feliz como dantes, depois de ter estado a ler. E ocorreu-lhe que ler era ser um espetador. Escrever era agir, o que ela devia fazer."

Bennett, A. (2009). A Leitora Real. Lisboa: Asa.

segunda-feira, 16 de outubro de 2023

Dia Mundial da Alimentação (II)

 A Biblioteca promoveu com as turmas de Saúde e o curso profissional de Restauração e Bar a celebração do Dia Mundial da Alimentação. 


Foi realizada uma sessão no auditório em que a Dr.ª Mariana Caeiro falou da Síndrome do Intestino Curto. Foram apresentadas as situações que limitam a vida alimentar das pessoas que apresentam este diagnóstico. A alimentação de quem tem esta doença crónica e as limitações no seu apoio, sobretudo para crianças em idade escolar foram apresentados a todos. Foi possível fazer uma entrevista em direto com uma mãe que tem uma criança com esta síndrome e foi muito interessante ouvir o modo como tem apoiado o seu filho nas questões de alimentação.

A Biblioteca promoveu o visionamento do documentário "Sementes da Liberdade" que apresentou os aspetos mais críticos do uso das sementes pela química e pela engenharia genética e como isso tem limitado a sobrevivência de muitas comunidades locais e de como isso afeta a qualidade dos alimentos e o impacto da sua plantação no meio ambiente.

Finalmente a Biblioteca construiu um marcador digital e um documento, disponibilizado em QRCode sobre a dieta mediterrânica e que colocava em discussão várias questões, como os valores éticos influenciam as nossas escolhas alimentares, como a publicidade e o marketing vendem "felicidade" em alimentos que são muitas vezes pouco saudáveis. A fome e o desperdício foram dois dos itens em confronto, e como eles influenciam a vida do planeta. Os alunos foram convidados a deixar uma ideia, um pensamento, um comentário no mural da Biblioteca. No QR Code o acesso ao ficheiro e À proposta de atividade promovida pela Biblioteca em colaboração com os alunos que participaram neste encontro de evocação do Dia Mundial da Alimentação.


 
 

segunda-feira, 9 de outubro de 2023

Um livro (II)

Haverá algum livro que emocione incondicionalmente, ou seja, um livro que, sendo lido repetidamente, se torne representativo de uma emoção autêntica?

 A partir de um texto de nota de pé de página, abaixo referenciado, podemos tentar dar uma primeira resposta no que respeita  ao problema das emoções em geral:

«Pelo jogo dos reflexos condicionais», as emoções «podem ligar-se às circunstâncias mais variadas, desde que estas circunstâncias sejam associadas à excitação incondicional um número suficiente de vezes, número que será tanto menos elevado quanto maior for a emoção».»» (Martinet M., Teoria das Emoções - Introdução à Obra de Henri Wallon, Moraes Editores, p. 79, nota de pé de página)

Por outras palavras, diz-se aqui que um determinado e suficiente do número [de associações] que será tanto menos elevado quanto maior for a emoção permite-nos solucionar o problema das emoções em geral, quantificando-as, condição sine qua non esta para que o desejo seja controlado pela razão, mais, para se representar o ponto crucial do processo da racionalização do desejo. Assim, o desenrolar das flutuações de ânimo, a dada altura, serão determinadas pelo exercício da proporcionalidade inversa. Como muitíssimo bem se sabe, por razão inversa entende-se uma relação entre duas quantidades tais que uma aumenta na mesma proporção em que a outra diminui. 

Na antiguidade, os clássicos, à sua maneira vates cultos e conceptistas, enfatizando o efeito conseguido pelo discurso, representavam a razão inversa mediante o binómio compreensão/extensão: assim, a ideia de que os termos complementares de uma relação balanceiam-se proporcional e hiperbolicamente, i. é, se a extensão de um termo aumenta, inversamente a compreensão do outro diminui e, se a compreensão aumenta, a extensão diminui.

Ora, a partir de um outro texto de nota de pé de página, referenciado, também se pode tentar dar uma resposta que diga respeito ao problema das emoções: a explicação fixa-se no (não) valor do significante - indeterminado, igualitário mas diferencial, imediato mas instantâneo, geral emoção livre, simpática afeição associável a um absoluto irracional, inatingível, indefinível, inefável, indizível, sem sentido nenhum, qualquer coisa (...) que, no próprio momento em que define as nossas ações, as impregna de ilusão -  enquanto possibilidade que a leitura deve tornar consciente. Significante usado como forma vazia, oca, para ulterior saturação por um conceito que se representa através de um certo emprego do imperfeito do indicativo: usança conceptualizada um número de tal maneira elevado de vezes associadas ao tempo passado perdido como fonte inesgotável de misteriosas tristezas que, consequentemente, assumirá a qualidade daquele tal livro enorme e que, sendo lido repetidamente, representará a emoção autêntica.

«Confesso que um certo emprego do imperfeito do indicativo - deste tempo cruel que nos apresenta a vida como qualquer coisa simultaneamente efémera e passiva, que, no próprio momento em que define as nossas ações, as impregna de ilusão, as dilui no passado sem nos deixar como o perfeito, o consolo da atividade - permaneceu para mim uma fonte inesgotável de misteriosas tristezas.» (Proust, M., O Prazer da Leitura, Editorial Teorema, p. 65, nota de fim de texto)

Admita-se pacientemente o apriorismo da escolha das duas notas aos textos acima referenciados apenas e justamente na medida em que aqui se tem a pretensão de se propor ao leitor/a estudante que, ao requisitar e levar tais livros para a singular carteira toda rodeada de verticais estantes, tal e qual como se fosse um/a náufrago/a que os salvasse consigo numa ilha deserta toda rodeada de portentosas ondas de maré, se contribua para que adquira o coadjuvante poder de todos os sentidos do universo emocional (des/re)montar e o sentido que cada mito transporta (des/re)materializar.

 Em síntese, a que livro havemos de associar condicionalmente a natureza do nada que é tudo da desejada emoção incondicional? Qual o livro incondicional, ou seja, frequente, mas irrepetível, para cada um de nós mítico? - Serão talvez 4 []: primeiramente o mestre; outro o todo eleito; na maior parte dos casos algum do projeto de leitura; 'Last but Not Least'o inventário da Biblioteca e Centro de Recursos Rómulo de Carvalho, da Escola Secundária José Saramago.

Professor António Santos

                                               Sobre a Leitura / Marcel Proust. (2020). Lisboa: Relógio D´Água.

sexta-feira, 6 de outubro de 2023

Livros do mês - outubro

 


"Este final de setembro, o mês dos meus anos, tem-me custado. Perguntas sobre perguntas acerca de mim mesmo e a angústia do sentido e da forma como me relaciono com ela. O que posso fazer? O que devo fazer? Há um livro a sair agora, trabalho noutro: e depois? Que significa isso para mim? 

Os meus defeitos aparecem-me de forma muito clara e dolorosa. Não só os meus defeitos: as minhas insuficiências, os meus erros. Sempre imaginei que um livro resgatava tudo: não resgata. E, no entanto, continuo a escrever, como se esse ato contivesse em si a minha salvação. (...)

Nas entrevistas não consigo exprimir pelas palavras aquilo que sou. Os livros falam muito melhor que eu. As imagens também nada dizem. Apetece-me desaparecer atrás das palavras, ser de facto o ninguém que sou: um nome apenas. E deixar o resto para mim, dado que não tem nenhuma importância coletiva.

Agora é manhã e está sol. Se eu fosse Deus parava o sol sobre Lisboa, escreveu Fernando Assis Pacheco. Tão linda a minha cidade com sol, tão lindo o meu país com sol. Vem aí o outono, o inverno, o cinzento dos dias que desbota em nós. Não me apetece nada o frio, a chuva. Se eu fosse Deus parava o sol sobre Lisboa, Sinto-o na rua, mesmo com estes vidros baços."

Antunes, A. L. (2011)."Se eu fosse Deus parava o sol sobre Lisboa", in quarto livro de crónicas. Lisboa: D. Quixote.

quinta-feira, 5 de outubro de 2023

Um livro (II)

 É um dos centenários deste ano / mês, mas pouco se fala dele e, no entanto, é um escritor que nos deu palavras sobre tudo o que juntamos e somos, sons, cores, imaginação, sonhos, instantes. 

As cidades invisíveis é um dos seus grandes livros. Entre impérios, cidades, pessoas e pensamento existem cidades muito próximas de nós, como sonhos a emergir ou a desfalecer. O real confirma-nos todos os dias essas cidades que respiram os nossos desejos e as que os destroem, as que da sua pele se refazem e as que se reconstroem em anéis sucessivos como as árvores no bosque, em frente de uma multidão de garças, ou que se perdem no pó dos caminhos.

"As descrições das cidades visitadas por Marco Polo tinham esse dom: podia andar-se por elas com o pensamento, nelas podíamos perder-nos, para apanhar fresco, ou fugir a correr. Com o passar do tempo, nos relatos de Marco as palavras foram substituindo os objetos e os gestos: nomes isolados, áridos verbos, depois pedaços de frase, discursos ramificados (…)

Kublai Kan apercebera-se de que as cidades de Marco Polo eram todas parecidas, como se a paisagem de uma para a outra não implicasse uma viagem, mas sim uma troca de elementos. Agora, de todas as cidades que Marco lhe descrevia, a mente do Grão Kan partia por sua conta e risco, e desmontada a cidade peça a peça, reconstruía-a de outro modo, substituindo ingredientes, deslocando-os, invertendo-os. Marco continuava a informá-lo da sua viagem, mas o imperador já não o ouvia...

O Grão Kan contempla um império recoberto de cidades que têm peso sobre a terra e sobre os homens, a abarrotar de riquezas e de movimento (...), um império inchado, largo, pesado. “É o próprio peso que está a esmagar o império”, pensa Kublai, e nos seus sonhos agora surgem cidades leves como papagaios de papel, cidades perfumadas como rendas, cidades transparentes como mosquiteiros, cidades nervuras de folhas, cidades linhas da mão, cidades filigrana para ver através da sua opaca e fictícia espessura."

As cidades invisíveis / Italo Calvino. (2011). Lisboa: Leya.
Imagem: – Pieter Bruegel, Torre de Babel, 1563, Museu de História de Arte, Viena.

Os livros do Mês


As palavras são uma forma de comunicarmos com os outros, com o mundo e conosco. Feitas de experiências e de tempo são o nosso modo para reconhecer o mundo. E dos breves dias que habitamos o mundo, elas são as formas em que matinalmente esperamos para construir um novo sonho, uma outra forma de liberdade, o encontro com o diverso. O nosso mundo, ou o que tentamos inventar tem os limites das nossa linguagem, a amplitude das nossas palavras.

Os livros do mês é uma ideia de promoção do livro e da leitura. Alimenta-se de em cada semana expor algumas das palavras que em cada mês o autor escolhido nos pode dar e de algumas outras obras capazes de despertar a curiosidade nos leitores.

A leitura pode e deve ser alimentada como uma descoberta de algo que pode ser precioso, a luz a raiar nos dias, capazes de nos fazer enriquecer o nosso plano humano, de encontrar essas palavras de António Lobo Antunes, "ilhas eternas de fraternidade." Estas escolhas foram pensadas em função do currículo escolar, mas também do que nos pode fazer descobrir algo com significado na nossa experiência.

Estas palavras procuram documentar ideias, pensamentos e também ser a matéria-prima para as podermos ouvir, nos momentos em que isso se torne possível. O som das palavras em cada um é uma outra forma de as escutar nas suas diferenças formas com que nos chegam, ao nosso espaço e ao nosso tempo.

Os livros terão um pequeno destaque no blogue, ficarão em suporte físico na biblioteca e integrarão os espaços de difusão da informação e um arquivo visual, a ser construído brevemente.

terça-feira, 3 de outubro de 2023

O autor do mês - outubro

 

O primeiro autor dos Boletins Bibliográficos é um dos grandes escritores da literatura portuguesa do início deste século e do final do passado, justamente, António Lobo Antunes. É um autor essencial, no sentido de que ele é único, raro, como um lobo (estranha coincidência, ou talvez não) que percorre caminhos vastos, tentando dar uma cor ao silêncio,  à alegria, à solidão, à difícil forma de exprimir o amor, às sinuosas dimensões do afeto liquefeito em formalidades irónicas. António não escreve romances, não nos conta histórias, não imagina ficções. 

António Lobo Antunes usa os pormenores do real, a sua cor, as suas figuras, as linhas do tempo para nos fazer descobrir o essencial, “da pedra de que somos feitos”, nessa ideia de iluminarmos a escuridão com a substância irreconhecível das palavras entre as sombras da noite e do mundo. António escreve para construir um caminho, para que como ele também nós o tentemos fazer. Caminho diverso a que não chegaremos plenamente, na ousadia de que as palavras saibam resistir ao fogo e ao tempo, emergindo como as colunas prateadas de uma divindade.

António é nesta sua forma de ser, um escritor, um lobo solitário, recolhido numa alcateia de solidões, onde em si e nos outros, algo possa emergir para obter essa dimensão, a da escrita, onde possa falar de todos nós. É essa a sua verdadeira dimensão, onde constrói em tempos diferentes todos os muitos que nós somos.  Entre os romances dá-nos um conjunto imenso de crónicas, como se tivesse toda a urgência em que falemos com ele, em que nós próprios consigamos redigir outros tantos livros, de outros tantos leitores. E dessa solidão empenhada sobre o papel olha para nós e diz-nos o que precisamos de ouvir, o que não sabemos exprimir, as vontades ausentes de um tempo esquecido na “fininha melancolia” que tantas vezes nos abraça.

 Acesso ao Boletim Bibliográfico - QR Code: em baixo)


Biblioteca ESJS